Blog Reaja!

Sola Gratia - Somente pela Graça

Celebração dos 507 anos da Reforma Protestante
29 out 2024, 00h00

Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus.” (Romanos 3.21–24, NVI)

 

Os cinco pilares da reforma protestantes estão interligados, sendo o primeiro deles o mais importante: Sola Scriptura (Somente a Escritura), de onde todos os outros derivam com autoridade e verdade em que podemos confiar sem medo ou sombra de engano.

Por isso, a Reforma Protestante começa com a restauração da pregação bíblica, sem a qual não ela não teria acontecido. Por dez séculos, a igreja viveu a chamada “Idade das trevas”, quando a Bíblia foi fechada e sua mensagem substituída por rituais, cerimônias, decretos papais e toda sorte de invenções humanas, da parte de homens que falavam sobre Cristo, mas não O conheciam – e nem conhecem.

Quando a Reforma defende seus cinco pilares (Somente a Escritura, Somente Cristo, Somente a Graça, Somente a Fé e Somente a Deus a Glória), ela está rejeitando todas as outras mediações falsas, como Maria sendo pregada como intercessora e mãe de Deus. É certo que ela gerou Jesus em seu ventre, o Deus-homem, porém, ela não lhe comunicou divindade, uma vez que era apenas humana. A divindade de Jesus é eterna, sempre existiu. O que aconteceu é que, pelos desígnios de Deus Pai, foi acrescentada à natureza pré-existente e eterna do Filho uma natureza humana, sem pecado, sendo Ele o único e perfeito mediador. Nada de Maria, santos, clero ou os sacramentos. Tais intercessões humanas e sacramentais foram derrubadas pelo brado “Somente a Graça”!

Sim, porque a Igreja Católica Romana defendia enganosamente – e assim mantém até hoje –, que a igreja e seus sacerdotes também fazem mediação entre Deus e os homens (além de Maria e os santos), através dos chamados “sacramentos”, que são ritos realizados somente pelo sacerdote autorizado para ter valor e efeito e que ministram graça na vida dos que os recebem. Mas esse ensino não está nas Escrituras.

O  Catecismo da Igreja Católica, num compêndio publicado no site do Vaticano[1], afirma o seguinte:

224. O que são e quais são os sacramentos?

Os sacramentos são sinais sensíveis e eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, mediante os quais nos é concedida a vida divina. Os sacramentos são sete: o Baptismo, a Confirmação [Crisma], a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos enfermos, a Ordem e o Matrimónio.

225. Qual a relação dos sacramentos com Cristo?

Os mistérios da vida de Cristo constituem o fundamento do que, de ora em diante, pelos ministros da sua Igreja, Cristo dispensa nos sacramentos.

“O que era visível no nosso Salvador passou para os seus sacramentos” (S. Leão Magno). [Grifos meus]

A linguagem impressiona, mas não é ensino bíblico, logo, não é verdade divina, mas somente palavra dos homens. A Bíblia ensina o que somente Cristo é o autor na nova aliança, e o único sumo-sacerdote da nossa fé. Além disso, a Reforma restaurou o ensino bíblico do sacerdócio universal de todos os santos, somos todos sacerdotes diante de Deus: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” (1Pedro 2.9, NAA)

Claro que precisamos da igreja para comunhão e também dos ministros de Cristo para que a pastoreiem, liderem e levem o povo ao crescimento espiritual por meio da pregação da Bíblia (Ef 4.11-13), pois foi Deus quem nos deu a igreja e os pastores, mas a igreja e seus ministros não atuam como mediadores: cada crente tem a sua comunhão diretamente com Deus e o papel de mediador é de Jesus Cristo, e somente dEle.

A fé e a graça estão intimamente ligadas, pois, se o caminho para a salvação é somente Cristo, de que modo o pecador pode crer em Cristo e abraçar o Evangelho já que ele está morto em delitos e pecado? É possível ao homem chegar sozinho até Cristo?

Existem três ensinos acerca disso:

1 – O primeiro foi cunhado por um homem chamado Pelágio, no séc. 4: O pecado de Adão afetou somente a ele mesmo. Nós nos manchamos porque aprendemos e não porque nascemos assim, por isso podemos ir a Cristo sozinhos, por nós mesmos, basta ao homem querer. Mas a Bíblia diz: “pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus.” (Romanos 3.23–24, NVI). Pelágio foi combatido pelo teólogo Agostinho, este afirmando que nascemos pecadores e que nosso arbítrio, discernimento espiritual, ficou totalmente corrompido com a Queda e, assim, precisamos da graça para nos levar até Cristo.

2 - Armínio, que não era católico, mas crente, pouco depois da reforma, disse que o homem era morto em delitos e pecados, mas que Deus dava uma graça preveniente para o homem aceitar o Evangelho, porém ele disse que era possível aceitar, mas também resistir a graça de Deus.

3 – E por fim o ensino dos reformadores que persistiram em afirmar que a graça de Deus é irresistível, quando Deus vem para salvar, Ele não tenta e pode vir a falhar por causa do homem, mas Ele salva mesmo. Deus não força, mas regenera, cumprindo o que Jesus disse para Nicodemos “é preciso nascer de novo” (cf. Jo 3.7), dando, assim, condições para o homem entender as coisas espirituais e crer livremente, pois o que impedia, a morte espiritual, foi removida com o novo nascimento. A ressurreição de Jesus é aplicada ao pecador pelo poder do Espírito Santo:

Mas quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor por todos, ele nos salvou, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia. Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.” (Tito 3.4–7, NAA)

Precisarmos nos arrepender e crer para a salvação. A Confissão de Fé Batista de New Hampshire[2], adotada pelos nossos pais fundadores da obra Batista no Brasil, e aqui traduzida como “A Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil”, diz o seguinte:

?Cremos que o arrependimento e a fé são deveres sagrados e também graças inseparáveis, operadas em nossas almas pelo Espírito regenerador de Deus,1 através do qual, ao sermos profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e desamparo, bem como do caminho da salvação por Cristo,2 voltamo-nos para Deus com sinceras contrição, confissão e súplica por misericórdia,3 recebendo, ao mesmo tempo, de coração, o Senhor Jesus Cristo como nosso Profeta, Sacerdote e Rei, e confiando nEle somente como único e todo-suficiente Salvador.4

1 Mc 1:15; At 11:18; Ef 2:8; 1Jo 5:1?
2 Jo 16:8; At 2:37-38; 16:30-31
?3 Lc 18:13; 15:18-21; Tg 4:7-10; 2Co 7:11; Rm 10:12-13; Sl 51
4 Rm 10:9-11; At 3:22-23: Hb 4:14; Sl 2:6; Hb 1:8; 7:25; 2Tm 1:12

Arrependimento e fé são deveres que o pecador deve cumprir para ser salvo, porém, ao mesmo tempo, são “graças inseparáveis” dadas aos homens pela misericórdia de Deus, uma vez que aqueles não conseguem cumprir tais deveres, por estarem mortos em delitos e pecados (Ef 2.4-9). Assim, a Bíblia afirma que, além do Salvador – Cristo –, pela graça nos foi dado crer n’Ele: “Porque vocês receberam a graça de sofrer por Cristo, e não somente de crer nele,” (Filipenses 1.29, NAA). Não temos como “obrar” a fé salvadora, ela é um dom recebido pela graça, cujo autor é Cristo (Hb 12.2).

 É o Espírito Santo que nos regenera e convence do pecado, da justiça e do juízo (Tito 3.4–7; João 16.7-11) e assim nos voltamos sincera e livremente para Deus. Deus não força, jamais, porém garante que o pecador irá livremente para Cristo; isto é graça. O Pacto Batista[3], da Convenção Batista Brasileira, começa seu primeiro parágrafo com a seguinte afirmação: “Tendo sido levados pelo Espírito Santo a aceitar a Jesus Cristo como único e suficiente Salvador”, reconhecendo que a obra da graça é que nos leva a crer.

O pastor batista Charles Spurgeon, o príncipe dos pregadores, disse assim: ?

Quando eu estava vindo para Cristo, eu pensei que estava fazendo tudo sozinho, e embora eu buscasse ao Senhor sinceramente, eu não tinha ideia de que o Senhor estava me buscando. Eu não acho que o jovem convertido é a princípio consciente disso. Lembro-me de no mesmo dia e hora em que eu primeiramente recebi aquelas verdades em minha própria alma, quando elas foram, como diz John Bunyan [autor de “O peregrino”], queimadas em meu coração como com um ferro quente, e lembro-me como eu senti que eu havia crescido, de repente, de um bebê a um homem; que eu havia feito progressos no conhecimento das Escrituras, por ter encontrado, de uma vez por todas, a chave para a verdade de Deus. O seguinte pensamento me ocorreu: “Como você veio a ser um Cristão?”, “busquei ao Senhor”, respondi eu. “Mas como você veio a buscar o Senhor?”. A verdade passou pela minha mente em um momento, eu não teria procurado por Ele, a menos que tivesse havido alguma influência prévia em minha mente para me fazer buscá-lO. “Eu orei”, pensei eu, mas então eu me perguntei: “Como cheguei a orar?”, “fui induzido a orar pela leitura das Escrituras”, repliquei comigo mesmo. “Como vim a ler as Escrituras? Eu li, mas o que me levou a fazer isso?”. Então, em um momento, eu vi que Deus estava no princípio de tudo isso, e que Deus era o Autor da minha fé, e assim toda a Doutrina da Graça se abriu para mim, e desta Doutrina eu não me afastei até o presente, e desejo fazer desta a minha confissão constante: “Eu atribuo a minha conversão inteiramente a Deus”[4].

Agora, precisamos pensar na aplicação de “Sola Gratia (Somente a Graça)” para nossa vida cristã e a continuidade dela, pois, depois do novo nascimento e da conversão, há uma caminhada inteira pela frente, muitos desafios, um mundo cheio de altos e baixos e a realidade de satanás e seus demônios para enfrentarmos. Como vamos conseguir?

Quanto ao pecado, precisamos crer que Deus não apenas começou uma boa obra, mas que Ele está trabalhando nela e que, portanto, continuam em nós os efeitos da graça (Fp 1.6; 2.13). Você não deve lutar sozinho para ser santo e se apresentar puro diante de Deus. A autojustiça é um caminho árduo e que engana o crente que acha que consegue ser fiel por suas forças. Devemos ser responsáveis, vigiando e orando, mas buscando em confiança somente Cristo a fim de nos mantermos fiéis (Mt 26.41).

Para enfrentar este mundo, que tanto nos machuca e faz sofrer, é preciso levar a Cristo nossos sofrimentos e preocupações. A Bíblia oferece respostas profundas para nossas ansiedades. Deus não é indiferente às nossas dores mais profundas da alma; Ele realmente se importa. Em Cristo, encontramos um consolo verdadeiro e transformador. Pedro diz: “Lancem sobre ele todas as suas ansiedades, porque ele cuida de vocês.” (1Pedro 5.7, NAA). Precisamos levar a Cristo e colocar em Sua cruz erros, falhas, pecados e fracassos; derramar diante d’Ele nossas dores dos relacionamentos que tantas vezes nos frustram e decepcionam, seja pela nossa perspectiva elevada ou por uma perspectiva correta e até bíblica, mas que não foi alcançada (e onde temos que exercer misericórdia). Ele é o nosso refúgio: “O Senhor é bom, é fortaleza no dia da angústia e conhece os que nele se refugiam.” (Naum 1.7, NAA)

E, para enfrentar satanás, precisamos lembrar que Cristo triunfou de uma vez por todas sobre ele (Cl 2.15). Não devemos ignorar a ação do diabo e das trevas (1Pe 5.8–10), mas não tema e, sim, revista-se da armadura de Deus (Ef 6.10-18), que já nos abençoou com a vitória quando precisarmos lutar.

Que os pilares da Reforma continuem nos ajudando. Não somente para começarmos a caminhada, o que precisamos hoje é aplicar os ensinamentos bíblicos que a Reforma resgatou para o aprofundamento do relacionamento com Cristo e a caminhada pela graça. Que o Senhor nos ajude, em Nome de Jesus, amém!

Somente a graça,

Pr. Leandro Hüttl Dias

Pastor da Igreja Batista Betel em Goiânia

Professor no STBG – Seminário Teológico Batista Goiano

 

[1]Disponível em: https://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendium-ccc_po.html#A%20CELEBRA%C3%87%C3%83O%20DO%20MIST%C3%89RIO%20CRIST%C3%83O. Acesso em 18/10/2024.

[2] Bledsoe, David Allen, org. Confissão de fé de New Hampshire & o Pacto da igreja. Rio de Janeiro: ProNobis Editora, 2022.

[3] Souza, Sócrates de Oliveira, org. Pacto e comunhão: documentos batistas. Rio de Janeiro: Convicção, 2010.

[4] Spurgeon, C. H.. Os 5 Pontos do Calvinismo: Uma Introdução (Portuguese Edition). Estandarte de Cristo. Edição do Kindle.